terça-feira, 25 de março de 2008


Terça-feira, 25 de Março de 2008  
Jesus morrendo e você bebendo e comendo

   Rebocado; piripicado! Vocês estão mesmo merecendo apanhar de Jesus Cristo com aquele chicote que ele bateu nos vendilhões do templo, lá pelas bandas de Jerusalém. O homem morrendo, e todo ano ele volta a morrer na cruz para redenção dos seus pecados, tem pés e mãos pregados com martelo batendo firme, bebe vinagre em esponja suja que ninguém sabe onde o legionário romano tinha passado antes e nem quero imaginar, ouve dichote do mau ladrão e ainda o porre de um pedido feito de última hora pelo bom ladrão, que teve o tempo todo para se arrepender e só se arrependeu na hora que viu que a situação estava preta; mesma coisa de ladrão de hoje em dia que rouba, mata e estrincha, mas chora que nem cachorro pequeno quando a polícia lasca o couro.
  Todo ano é assim, pegam o pobre do Cristo, de novo, depois de tantos séculos de sofrimento e voltam a enfiar na testa aquela tiara de espinho, que pelo tamanho parece de laranjeira, do tipo que servia para minha avó furar bolhas purulentas de catapora, molhando na cânfora com álcool. Tudo isso acontecendo de novo, de forma virtual, claro, pois Jesus não é maluco de todo ano se submeter a tais despautérios, com, sua carne e ossos, já bastando para isso os malucos de Vitória da Conquista, Juazeiro, Uauá e outros pontos de encontros destes doidos que passam o ano fornicando, fumando, cheirando, bebendo, ganhando Bolsa Família e cometendo todos os atos impuros e quando chega na madrugada da Sexta-feira da Paixão pegam uns silícios, umas giletes cegas, uns pedaços de aço, amarram num pedaço de couro e se autoflagelam, batendo no lombo e pedindo perdão dos pecados. Basta Cristo perdoar que o cara-de-pau do penitente vai logo tomar uma cachacinha no armazém da praça, que é para esquecer e cicatrizar rapidamente os cortes no lombo. Ele então volta a acumular milhas de pecado, esperando que Jesus caia no cacete de novo, ano que vem, que é para liberar geral e assim segue a vida.
  Enquanto Jesus "agonizava", lembro que virtualmente falando, eu vi nos restaurantes e nas casas diversas, inclusive lá em casa, com estes olhos que a terra haverá de comer, não agora, mas daqui a uns 80 anos, o povo se fartando em dendê, peixe frito, peixe de escabeche, peixe ao molho-de-camarão, peixe amoquecado, ensopado de peixe, ensopado de camarão, camarão ao alho e óleo, feijão de leite, feijão fradinho, feijão preto, vatapá, caruru, frigideira de repolho, frigideira de bacalhau, bacalhau assado, bacalhau ao bafo, bacalhau a Gomes de Sá, moqueca de arraia, vermelho, caçonete, agulhinha, sororoca, tainha e robalo, ou de dourado, surubim, crumatá e outros para não deixar de fora os de água doce, sem falar no polvo ao vinagrete, moqueca de polvo, siri, papa-fumo, ostra e ate lagosta, mesmo em pleno defeso.
  Lembro de sextas-feiras santas, onde ninguém podia dar um pio, e isso ainda era nos anos 1970. Quem quiser que corresse, soltasse um pum, um assobio, falasse alto, ligasse o som do rádio – que só tocava música clássica; levantasse o pano roxo de cetim que recobria os santos, que desse um arroto, tirasse meleca, cantasse ou risse. Lá em casa meu avô, de longe, mandava a chinela de couro curtido adquirida na Feira de Água de Meninos, que batia certinho no lado do fígado, ou rim, nunca sei onde eles ficam mesmo, e a vítima sofria igual a Jesus recebendo chibatada, no bom sentido que Jesus é espada.
  Pois é assim. O homem morrendo todo ano, já por quase dois mil anos, e todo mundo comendo a se fartar, bebendo nos postos de gasolina das estradas onde deveria ser proibido e pior de tudo: fazendo ousadia. Fazer ousadia eu não sei. Mas, pelo volume de vinho que fui obrigado pelos amigos de mesas fartas a beber, e a variedade de comida que me obrigaram a comer, se eu fosse adepto de religião, provavelmente à esta altura estaria indo para o fogo do inferno, sem escala. Acho até que merecido. Tão merecido que a única coisa que eu ia pedir àqueles que viessem em busca da minha alma, era que esperassem um pouco enquanto eu tomava um Sonrisal. Rebanho de pecadores, hereges, infiéis, falsos ao corpo, donos de shoppings, guardadores de carros, presidentes do Esporte Clube Bahia, banqueiros, infames, lulistas, chavistas, bushistas, médicos do SUS, e filisteus, acautelai-vos!

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quinta-feira, 20 de março de 2008


Crônica

Quinta-feira, 20 de Março de 2008  
Da Perini ao Cuião de Boi de dona Maria

   Claro que seo Pepe, gente boa e senhor atencioso, que a esta altura da vida não precisa mais de ficar com a barriga esquentando balcão – ainda mais que coisa de barriga no balcão é mais de português que de espanhol, pois espanhol sempre foi voltado, desde seus primórdios na Bahia, para atividades superiores ao balcão -, não sabe o que aconteceu domingo na Perini. Também tenho certeza que Victor Ventin, afável industrial e aventureiro pelos Caminhos de Santiago, sequer imaginaria. Mas, que aconteceu, aconteceu e acontece nas melhores famílias baianas.
  Fui almoçar neste famoso point de Salvador, no novo e faraônico prédio que ainda não conhecia e estacionei em cima de onde, antigamente, era uma quadra onde eu jogava minhas partidas de tênis. Deu vontade de chorar. Época em que o Bahiano de Tênis era cheio de empresários falidos, mas que não perdiam a pose, coisa que, aliás, ainda tem no que restou do baiano, o que chega a ser engraçado, mas aí conto a história noutro dia.
  Ninguém me disse, nem para mulher e filha, que depois das três e meia da tarde é melhor nem entrar. Daí a história de que cão só entra na igreja porque encontra a porta aberta. Entrei. Notei que as funcionárias do buffet fizeram cara feia e deram muxoxo, como se dizia antigamente. Pensei que meu desodorante tinha vencido o prazo de validade ou que tinha pisado em cocô de cachorro, coisa que as dondocas deixam como rastro na Graça e na Barra.
  Os garçons, estes, sim, foram gentis, embora se atrapalhassem, para achar uma garrafa de vinho chileno específico, o que é estranho, pois a Perini é o principal centro de degustação de vinhos da cidade e esquecer de dar formação para seus funcionários? Mas, aí também é outra história. Para não alongar mais, basta dizer que no meio da refeição a gerente mandou perguntar se podia retirar e guardar a bateria de comida, e olha que como rápido. O garçom cheio de dedos perguntou e eu, cheio de talheres parei ali mesmo. Descobri que a pressa era para que as funcionárias fizessem, cada um seu prato, e partissem para comer. Acho que estavam com medo que eu comesse tudo e não sobrasse nada. Pois, seo Pepe está me devendo meio almoço para três pessoas, o que dá um almoço e meio, meia garrafa de vinho branco chileno, meia garrafa de água mineral com gás e as sobremesas. Sem falar numas boas desculpas.
  Mas, acho que sou eu mesmo quem causa o problema, com a mania de chegar tarde nos lugares. Lembro que certa vez me convidaram para a chegada do chief Marc Le Dantec e lá estavam todos os convidados com cara de satisfeitos e eu na maior cara de pau – embora não tenha sido o último a chegar – sentando para ser servido. O pessoal aproveitou a deixa e começou a comer tudo de novo. Daí que nunca mais fui convidado. Uma vez em Lisboa, no Cáis do Sodré, tomava vinho verde no maior gosto, lá pela madrugada, quando os garçons começaram a retirar as garrafas das mesas, sem quê nem pra quê e o povo ia saindo. Agarrei minha garrafa e mostrei os caninos. Nenhum encostou, mas tenho a impressão que cobraram mais do que estava marcado na carta.
  O mesmo aconteceu no famoso restaurante do subúrbio ferroviário "O Cuião de Boi de Dona Maria". Quando olhei o cardápio, escrito a mão e onde constavam acepipes como escondidinho, rabada, miolo, buchada de bode e fígado acebolado, comecei a babar. Pedi item por item e tudo dona Maria dizia que acabou. Implorei, finalmente, o famoso "Cuião de boi". Nisso, passa um agdá fervendo na minha frente e ela me diz: - "Esta foi a última poção!". Pelo menos me arrumou um ovo frito com feijão, arroz e farinha para não voltar com fome para casa e nem cobrou.
  Por falar em atendimento, lembrei agora de Valdemir, um velho garçom da saudosa Associação Atlética da Bahia. Ele parece um galã de filme B, com cabelo liso caindo na testa e pose de lorde inglês. Com ele era assim, você chamava e dizia que queria uma cerveja Brahma. Ele ia, voltava com uma Antarctica, já aberta e dizia: - "Beba que não tem Brahma". Você pedia uma porção de batatas fritas, ele ia, vinha com uma porção de pastéis. Botava na mesa e nem dava ousadia de dizer que batata não tinha. Na hora de pagar a conta, se a conta foi 60 reais e você dava uma nota de cem reais, ele colocava no bolso e virava dizendo:- "Semana que vem dou o troco". E sumia. O cara era tão grosso que os clientes diziam que se tratava de um belo exemplar de garçom francês.
  Pior é que todo mundo gostava dele. Justamente pelo folclórico mau-humor. E porque baiano adora ser mal atendido. Mas, aí é outra história.


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terça-feira, 4 de março de 2008


A urucubaca do prefeito João Henrique

Jolivaldo Freitas (publicado originalmente na Tribuna da Bahia - 4/2/08)


Tem alguma coisa errada com o prefeito João Henrique. Desde a gestão de Lídice da Matta que não vejo tanta urucubaca junta. Para quem não sabe, urucubaca é uma mistura de azar, desacerto, conspiração e ziquizira, tudo num superlativo, macro, plus, do cacete, coisa do Cão. No tempo lidiciano, quando a prefeita sofria ataques cerrados do esquema da direita, que impedia sua administração de recolher o lixo da cidade, dar melhor atendimento na área da Saúde e planejar o próximo passo, só faltava cair uma chuva forte. Não é que caiu! Mas, aí era, com certeza, coisa do carlismo e não tinha nenhuma ingerência divina. A moça até merece uma segunda chance, tanto que sofreu.
Já o prefeito João não deve estar pagando o dízimo para sua igreja evangélica. Se estiver, seu nome não está na contabilidade divina. Quem sabe, nunca se sabe, o bispo Edir Macedo pode estar desviando a verba para concluir aquele palacete em estilo Luiz XVI que vem construindo lá pelas bandas do Sul. Acho que cabe uma CPI – Comissão Protestante de Inquérito. Como quem não dá o dízimo não tem direito à riqueza na terra, e muito menos às cem virgens no céu, e já me disseram que o prefeito dá adeus (juro que não é um trocadilho) com a mão fechada, vá ver que é por isso que tanta coisa chata tem acontecido com ele e com a cidade.
Semana passada eu tinha elogiado, pois o seu "Espicha Verão", em conjunto com a Bahiatursa – aliás, o presidente Domingos Leonelli sendo publicitário poderia ter divulgado melhor o evento, que foi de primeira grandeza, estava legal (Gal, legal, sacaram? Rsrsrs), mas é outro que dizem (não sei se foi o mestre Carlos Sarno ou João do Brinco) ser canguinha: só solta a verba depois de muito verbo. Eu havia garantido que ele fizera um acordo com Iemanjá e o mar ficou uma piscina. Mas, parece que ele contratou a deusa das águas mas não pagou. O que aconteceu? A mulher se retou e mandou uma ventania dos diabos, que destruiu de saída o palco flutuante que estava fundeado no Porto da Barra. De quebra lascou a vida da cidade. Mulher é vingativa, o prefeito devia saber há tempos.
O prefeito está mesmo é precisando de uns bons amigos, porque com os que tem é melhor rezar de joelhos, coisa que sua crença não permite. Sua religião – (a Rede Globo foi chamar de seita. Então, os evangélicos se uniram, para punir na Justiça, mas fizeram uma armação tão errada, que o feitiço virou contra o feiticeiro) – permite o exorcismo. Ele podia exorcizar os partidos da base governamental que estão com o diabo no corpo fazendo chantagens e mandar pros quintos dos infernos. Já encaixava no pacote meia dúzia de secretários que estão atrapalhando sua vida. Se ele não tiver coragem, que chame a mulher. A deputada é retada (antigamente se dizia mulher-macho, mas hoje a conotação é perigosa e não quero fugir do decoro).
Pois, como se não bastasse o prefeito estar levando uma surra de mandacaru, dada pelos deuses do mar e do tempo, ainda sofre uma constante conspiração e eu já tinha alertado. Para completar, não é que seus funcionários foram lá destruir um terreiro de candomblé na avenida Jorge Amado. Todo mundo sabe que na Bahia não se pode mexer com candomblé; muito menos Jorge Amado e Dorival Caymmi. Procurou farra com algum deles e os deuses africanos se unem em pandemônio. Foi isso que causou o temporal no meio da semana. Quebrou ânforas e camarinha, né? Quebraram a cidade do São Salvador da Baía de Todos os Santos. Mas, o prefeito é alma boa. Até já votei nele. Só não quero estar junto para não pegar urucubaca.
A vida do homem anda azeda. Nem caramelo adoça. Muito pelo contrário. Eparrê, minha santa!

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