terça-feira, 23 de outubro de 2007


Grandes invenções e invencionices baianas

A Bahia é a terra do já teve, já fez e já foi isso e aquilo. É uma velha possessão d´além mar, cheia de malucos e de inventores que parecem até personagens de piada de português. Desde seus primórdios que temos registro de geniais malucos. Um cara chamado Sobreiro, decidiu, sabe-se lá se em 1700 ou 1800 fazer uma grande caravela, que na verdade viria a ser uma galeota tirada a besta, lá pelas bandas da Ribeira. Foi pau pra tudo que é lado, meses e meses de desenho de projeto; corta árvore, traz tronco do Recôncavo e tome dinheiro oriundo do cortiço de onde tirava o sustento da família, que situava-se atrás do Mercado do Ouro. Ele trabalhava praticamente sozinho, com a ajuda dos filhos.
Um dia ele convida todo mundo para ir à Ribeira ver a nau. Estava ela lá, no meio da água calma da Beira-Mar, grande, linda, parada, distante. Era boca da noite. Todos foram embora e no dia seguinte uma multidão achegou-se para ver o grandioso trabalho de um inventor baiano, construtor, mestre-de-obras-navais. Chegam lá e nada. Nada de caravela. O inventor garante que para não perder a maré e mostrar seu invento para os reis da Europa (um navio que não precisava de velas, nem remos e que era movido a manivelas - mostrava seus croquis), montara rápido uma tripulação de apenas meia dúzia de homens, capitaneados por seu filho mais velho e zarpara.
Claro que metade acreditou. A outra metade garantiu que aquele teria sido o primeiro barco cenográfico da história do Brasil. Nem o barco nem o filho jamais apareceram de volta. Será que era mesmo movido a manivela ou era um truque?
O surgimento do cinema se deu no século XVIII, mas seu Arlindo Castro, notável morador da Boa Viagem, decidiu que o Brasil deveria mostrar a pujança da sua inteligência. Ele achava que era inadmissível se passar cinema naquela tela branca, uma coisa irreal, parecendo sonho, sem consistência, e que o cinema deveria ser reinventado. Botou os miolos para funcionar durante dias e dias e anunciou para todos que acabava de criar um novo formato de exibição de drama, que não implicava no uso da película. Convidou todo o bairro para uma sessão no Cine Roma. Domingo de manhã, todos os homens com seu chapéu coco, calça de linho e as mulheres com gorgurões. Abre-se a porta, a multidão entra e anuncia-se o filme. Entram atores e atrizes no palco e começam s fszer o “filme” mudo. Na verdade todos descobriram na hora que se tratava era mesmo de uma “peça” de teatro. Muda. Se seo Arlindo não corre, sumindo por dentro da Feira de Água de Meninos, acabava morto.
Mas, acho que a maior invenção já feita na Bahia, esta terra que faz de tudo e produz cada vez mais, foi a panela de pressão criada por dona Noquinha. Foi fácil demais. Pegou uma panela de barro, colocou o alimento para cozinhar, fechou com uma tampa bem pesada e amarrou. O vapor saia por um buraco. A panela tremeu na trempe, tremeu, tremeu e voou longe. Lá no quintal de Antonio Galego. Na verdade, anos depois, descobrimos que ela tinha inventado, bem antes do cientista von Brown, o princípio do foguete.
Terminamos comendo ovo frito.

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sexta-feira, 19 de outubro de 2007


Freada de Bicicleta

Quando o Papa aqui esteve, meio do ano, escrevi sobre as mordomias que a Igreja estava pagando para gáudio dos apostólicos e romanos, lá do Vaticano, que chegavam naquele instante ao Brasil. Aproveitei e disse que estava vendendo Pílulas de Frei Inácio. Acredite que recebi exatamente 21 emelhos de pessoas que queriam comprar as tais pílulas. O povo não notou que era uma gozação. Agora, entusiasmado, estou pensando em vender bênção pela Internet. Já vi que existe comprador para qualquer coisa. Que o digam os Hernandez e Edir Macedo.

    Foi o que me disse, certa vez, Marcos Carrapeta, quando decidiu que iria vender a irmã, quero dizer, a bicicleta. Era um treco velho e quebrado, a bicicleta, claro, faltando pneu e selim e se não me engano era da marca Monark. Cor verde, pára-lama, lanterna, adesivo preto com prata, mas sem um pneu e sem freio e cheia de pontos de ferrugem. A catraca fazia barulho parada, imagine se andasse.

    Foi quando ele decidiu que devia vender. Queria comprar uma bicicleta nova, para ir trabalhar. Sua ideia era sair do Mont Serrat até a Calçada, pedalando e enfrentando as ambulâncias da Samdu e os ônibus da SMTC. Naquele tempo tinha mais ambulância que hospital em Salvador, embora hoje tenha mais hospital e menos leito ou médicos. As ambulâncias atendiam em domicílio. Hoje nem sei se tem ambulância, nunca mais vi nenhuma do estado ou prefeitura. Só observo que a BR-324 fica cheia daquelas que pertencem às prefeituras, que foram super-faturadas e servem para conduzir até vaca doente, contanto que seja animal de estimação do prefeito.

    Como passar para a frente uma bicicleta que não servia para nada, era o desafio de Carrapeta. Aliás, posso garantir que ele foi o primeiro no Brasil a organizar uma caravana de bicicletistas. Num domingo pela manhã cedo partiu da Ponta do Humaitá em direção a Itapuã. Eram cinco com ele. Quando chegaram nas imediações da Invasão do Bico-de-ferro, onde hoje é o Jardim dos Namorados, foram assaltados e tiveram de voltar a pé. Naquele tempo os ônibus da SMTC pertenciam à Prefeitura e era difícil encontrar algum nas ruas à noite. O último passava às dez da noite e depois só ás seis da manhã. Aos domingos passava algum a cada três horas. Foi melhor andar da Orla até a Zona Itapagipana.

   Até hoje Marcos Carrapeta lembra de Zezinho da banca-de-bicho ficando branco ao ver o pessoal armado de facas e canivetes cercando o grupo e pedindo a bicicleta. Zezinho deu uma freada tão brusca que na cueca ficou a marca da pressão da bunda escorregando no selim coberto de plástico. Um traço longo e reto. A famosa freada de bicicleta.

   Voltando à venda da bicicleta, ninguém querendo comprar, ele teve várias ideias para tentar despachar a peça. Fez Raid das Moças, Loteria de Zoológico, tentou vender números para sorteio, e nada. Decidiu colocar os pneus para ver se atraía comprador e ninguém se arvorava a adquirir aquilo. Foi quando anunciou que aquele que comprasse a bicicleta poderia dar uma volta com a irmã: garota nova, bonita, ousada, que usava minissaia e basqueteira americana. Apareceu comprador de tudo que era lugar e o preço da bicicleta, que nada estava valendo até aquele momento, subiu mais que ações da Vale do Rio Doce quando foi privatizada. Quem deu mais levou. Pegou a bicicleta, colocou Maria Carrapeta na garupa e se mandou. Uma hora depois chega a moça, trazendo de volta a bicicleta, do jeito que foi. Ninguém nunca perguntou o que tinha acontecido e Marcos voltou a vender a bicicleta e a irmã muitas vezes. Eu mesmo as comprei, certa vez. Não me pergunte porque devolvi a bicicleta e nem peguei o dinheiro de volta. O importante advogado e audaz  bicicleteiro, Valci Barreto também comprou.

 

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quinta-feira, 11 de outubro de 2007


Pan, preconceito e maratona

 

 

 

O final do Pan, que optei por ver via Sportv para não ter de ver (é proposital o rolo neste início de texto, embora eu seja burro mesmo) Galvão Bueno azarando os pobres atletas e tentando incitar a massa à xenofobia contra os argentinos (cadê que ele não foi macho de jogar no ar a galera contra os Estados Unidos, que foram mesmo os algozes dos brasileiros nos jogos?) deveria ter a participação de Lula, mas ele entrou na toca para evitar marola.

Ele não perdeu nada, pois, tirante a vaia que iria levar mais uma vez – tanto que os oradores evitaram tocar em seu nome – não haveria mesmo maior emoção, como não houve. E ainda teve a cara de pau de Fernanda Abreu cantando em ritmo de funk músicas inconvenientes e politicamente incorretas para o local e oportunidade, como "olha a cabeleira do Zezé. Será que ele é..." ou até mesmo "Maria Sapatão, sapatão, sapatão; de dia é Maria; de noite é João...". A troco de quê não se sabe..

    Isso trouxe à memória que o que valeu mesmo foi a atuação das meninas do futebol. E elas, depois do show de bola, coisa que os rapazes não conseguiram sequer fazer um pouco, pediram que a partir de agora o futebol feminino seja mais respeitado e que parem de achar que menina que joga futebol é macho. Interessante é que no sábado passado um garoto, que participava do programa "Altas Horas", de Serginho Groissman, tinha tomado o microfone para justamente fazer um protesto contra este tipo de preconceito, lembrando que futebol é prática, hoje, entre as garotas de quase todas as escolas brasileiras.

     O jornalista Venâncio Júnior, que está trabalhando em Roraima, me escreveu outro dia, elogiando um texto que fiz aqui sobre as garotas do Colégio António Vieira, que jogam um bolão no Futsal, são bonitas, femininas e bi-campeãs dos Jogos dos Colégios Particulares (Jocopar), uma espécie de Pan, que ocorre todos os anos. É legal ver a disputa e a poesia, com um leve toque do romantismo, que havia antigamente no futebol. As meninas conseguem até mesmo resgatar isto.

    O que os preconceituosos não sabem é que a história do futebol é intrigante, interessante e formada por muitos preconceitos. Quando o futebol começou a ganhar popularidade no início do século passado, a hegemonia esportiva era do remo. No Rio de Janeiro, na lagoa Rodrigo de Freitas, alguns domingos levavam para as disputas entre Flamengo e Fluminense mais de 20 mil pessoas. Os caras malhadões se recusavam a permitir que o futebol adentrasse seus clubes e classificavam o futebol como esporte para mulheres. Veja só, meu único e caro leitor, quanta ironia. Depois que os homens "roubaram" o esporte da mulher, inverteram a situação. Homem não presta. Por isso não gosto de homem.

       Tomara que a história brilhante das meninas da Seleção Brasileira Feminina de Futebol renda alguns frutos em termos de acabar com o preconceito e também o reconhecimento pecuniários. As meninas jogam um bolão aqui, mas para a sobrevivência têm de jogar nos Estados Unidos, Alemanha, França, Holanda e outros países onde os empresários são mais profissionais e mais espertos. Claro que a um bom trabalho de marketing atrai patrocinadores e o público enche os estádios.

     Por falar em Pan, tudo bem que o Brasil ganhou mais de uma centena de medalhas, teve o vôley brilhando, mesmo com o nepotismo de Bernardinho; o basquete dando show, mas (tirando Falcão, do Futsal, que acho o melhor jogador do mundo, comparando até mesmo com o Ronaldinho Gaúcho no futebol de campo – claro que sou exagerado) tanto no Pan como Olimpíada, o espírito dos jogos está encarnado mesmo é na maratona. Correr uma maratona, sim é coisa do Satanás. O resto é refresco. Se bem que eu não gostaria de enfrentar a judoca Ednancy.

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