quinta-feira, 20 de março de 2008


Crônica

Quinta-feira, 20 de Março de 2008  
Da Perini ao Cuião de Boi de dona Maria

   Claro que seo Pepe, gente boa e senhor atencioso, que a esta altura da vida não precisa mais de ficar com a barriga esquentando balcão – ainda mais que coisa de barriga no balcão é mais de português que de espanhol, pois espanhol sempre foi voltado, desde seus primórdios na Bahia, para atividades superiores ao balcão -, não sabe o que aconteceu domingo na Perini. Também tenho certeza que Victor Ventin, afável industrial e aventureiro pelos Caminhos de Santiago, sequer imaginaria. Mas, que aconteceu, aconteceu e acontece nas melhores famílias baianas.
  Fui almoçar neste famoso point de Salvador, no novo e faraônico prédio que ainda não conhecia e estacionei em cima de onde, antigamente, era uma quadra onde eu jogava minhas partidas de tênis. Deu vontade de chorar. Época em que o Bahiano de Tênis era cheio de empresários falidos, mas que não perdiam a pose, coisa que, aliás, ainda tem no que restou do baiano, o que chega a ser engraçado, mas aí conto a história noutro dia.
  Ninguém me disse, nem para mulher e filha, que depois das três e meia da tarde é melhor nem entrar. Daí a história de que cão só entra na igreja porque encontra a porta aberta. Entrei. Notei que as funcionárias do buffet fizeram cara feia e deram muxoxo, como se dizia antigamente. Pensei que meu desodorante tinha vencido o prazo de validade ou que tinha pisado em cocô de cachorro, coisa que as dondocas deixam como rastro na Graça e na Barra.
  Os garçons, estes, sim, foram gentis, embora se atrapalhassem, para achar uma garrafa de vinho chileno específico, o que é estranho, pois a Perini é o principal centro de degustação de vinhos da cidade e esquecer de dar formação para seus funcionários? Mas, aí também é outra história. Para não alongar mais, basta dizer que no meio da refeição a gerente mandou perguntar se podia retirar e guardar a bateria de comida, e olha que como rápido. O garçom cheio de dedos perguntou e eu, cheio de talheres parei ali mesmo. Descobri que a pressa era para que as funcionárias fizessem, cada um seu prato, e partissem para comer. Acho que estavam com medo que eu comesse tudo e não sobrasse nada. Pois, seo Pepe está me devendo meio almoço para três pessoas, o que dá um almoço e meio, meia garrafa de vinho branco chileno, meia garrafa de água mineral com gás e as sobremesas. Sem falar numas boas desculpas.
  Mas, acho que sou eu mesmo quem causa o problema, com a mania de chegar tarde nos lugares. Lembro que certa vez me convidaram para a chegada do chief Marc Le Dantec e lá estavam todos os convidados com cara de satisfeitos e eu na maior cara de pau – embora não tenha sido o último a chegar – sentando para ser servido. O pessoal aproveitou a deixa e começou a comer tudo de novo. Daí que nunca mais fui convidado. Uma vez em Lisboa, no Cáis do Sodré, tomava vinho verde no maior gosto, lá pela madrugada, quando os garçons começaram a retirar as garrafas das mesas, sem quê nem pra quê e o povo ia saindo. Agarrei minha garrafa e mostrei os caninos. Nenhum encostou, mas tenho a impressão que cobraram mais do que estava marcado na carta.
  O mesmo aconteceu no famoso restaurante do subúrbio ferroviário "O Cuião de Boi de Dona Maria". Quando olhei o cardápio, escrito a mão e onde constavam acepipes como escondidinho, rabada, miolo, buchada de bode e fígado acebolado, comecei a babar. Pedi item por item e tudo dona Maria dizia que acabou. Implorei, finalmente, o famoso "Cuião de boi". Nisso, passa um agdá fervendo na minha frente e ela me diz: - "Esta foi a última poção!". Pelo menos me arrumou um ovo frito com feijão, arroz e farinha para não voltar com fome para casa e nem cobrou.
  Por falar em atendimento, lembrei agora de Valdemir, um velho garçom da saudosa Associação Atlética da Bahia. Ele parece um galã de filme B, com cabelo liso caindo na testa e pose de lorde inglês. Com ele era assim, você chamava e dizia que queria uma cerveja Brahma. Ele ia, voltava com uma Antarctica, já aberta e dizia: - "Beba que não tem Brahma". Você pedia uma porção de batatas fritas, ele ia, vinha com uma porção de pastéis. Botava na mesa e nem dava ousadia de dizer que batata não tinha. Na hora de pagar a conta, se a conta foi 60 reais e você dava uma nota de cem reais, ele colocava no bolso e virava dizendo:- "Semana que vem dou o troco". E sumia. O cara era tão grosso que os clientes diziam que se tratava de um belo exemplar de garçom francês.
  Pior é que todo mundo gostava dele. Justamente pelo folclórico mau-humor. E porque baiano adora ser mal atendido. Mas, aí é outra história.


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