O povo da Barra contra a nefasta construtora
Jolivaldo Freitas
Os moradores das ruas Marques de Caravelas e Lord Cochrane, na Barra Avenida - sou do tempo em que se dividia a Barra em duas e a Graça e a Vitória eram áreas até certo ponto longínquas, imagine! -, estão como o diabo gosta. Andam nos cascos, bufando, trincando os dentes e mostrando os caninos. Esperam apenas que o empresário do ramo da construção civil e conselheiro do Sindicato da Indústria da Construção Civil, mais conhecida pela sigla Sinduscon, decida fazer uma visita ao prédio que está construindo no bairro. A idéia que é sussurrada pelos playgrounds, escadas, saídas de incêndio e nas portarias mais recônditas é de lhe aplicar um corretivo. Nada que machuque.
Apenas uns bons cascudos, ou coques, como dizia minha avó, bem no alto do seu (lá dele) cucuruto; coisa que o pai ou a mãe ou a madrinha deveriam ter feito quando criança, para evitar que se transformasse numa pessoa incivilizada, como se transformou, e que não respeita os mais velhos, conforme desabafo de um ex-combatente da Segunda Grande Guerra, um dos últimos heróis brasileiros de carne e osso, mais osso do que carne, que de trabuco na mão diz que não consegue dormir.
O pessoal odeia o construtor Marcos Galindo, da MGL, porque o homem está construindo um edifício, de nome pomposo de Barra Sky, embora seja um quarto e sala, justamente na esquina das duas ruas. Como os locais, os nativos, os moradores, em sua maioria são idosos que ainda ouvem bem, não conseguem dormir, a antipatia é geral e irrestrita. Ocorre que já às sete horas da manhã os empregados do homem iniciam o trabalho de construção, começa o inferno em sua sucursal.
Primeiro toca-se uma sirene informando que chegou a hora. Neste instante o velhinho, que foi oficial na contenda do meio do século passado, já levanta no susto, achando que é uma blitz dos alemães; um ataque aéreo; e corre para debaixo da cama, usando-a como casamata. Sorte que os filhos toda noite retiram as balas da carabina. O homem ainda é ágil e já cai dando tiros e gritando palavras de ordem.
Mas, ele fica mesmo mais louco que os outros moradores, é quando a britadeira - alguns dizem que é uma máquina de cortar azulejo chamada Maquita - começa a atuar, justamente depois da sirene, por volta das sete horas e cinco da manhã, para dar uma hora exata. Parece uma salva de metralhadora. O ex-soldado se esconde atrás das cortinas do apartamento e fica tentando descobrir de onde vem o inimigo. Nesta hora todo mundo, num raio de 500 metros já acordou.
E assim prossegue a obra. Isso já vindo de quase dois anos, sem que o diretor do sindicato dê o exemplo e respeite pelo menos o silêncio no início da manhã, deixando o povo com um pouco de paz. Mas, os cascudos dele estão garantidos. Inclusive já circulam fotos escaneadas com a cara dele. Uma senhora que mora bem ao lado vai fazer Vudu. Ela ia comprar um apartamento para a filha, mas desistiu. O seu argumento para a desistência é simples: se o empresário não respeita os moradores do bairro, não dá para confiar numa solução, caso o empreendimento seja problemático e o comprador precise de uma atitude séria e profissional. Ela aproveita e pede à Sucom para dar um basta no barulho produzido pela construção do Barra Sky. Que pelo menos comecem os trabalhos às oito horas da manhã, aos sábados. E que encerrem às 17 horas.
Outro dia eles decidiram que iam executar uma série de atos contra os trabalhadores da obra. Descobriram que eles costumam parar para o almoço antes do meio-dia, e depois tiram uma soneca das boas, dormindo sobre estrados, tijolos, tapumes e areia. Iam todos sair para um panelaço na porta da obra. Alguém com lucidez, disse que os operários não tinham culpa, e que seria melhor irem fazer panelaço, numa madrugada qualquer na porta do dono do prédio. Ele que se cuide. Povo da Barra anda catando seu endereço. E o povo da Barra é descendente dos índios bem antes da urbanização da cidade. Eles são tão brabos que comeram assado, e bem passado, um monte de padres, arquitetos e urbanistas portugueses. Para fritar incorporador é só um passo.
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