sábado, 26 de abril de 2008


Como os portugueses abduziram os baianos


   Eu sempre fui meio burrinho, não é coisa de agora, e nunca entendi direito essas coisas de descoberta do Brasil. Lembro que certa vez, acho que foi ainda nos tempos em que frequentava a a Escola Luiz Tarquínio, na Boa Viagem ou talvez tenha sido mesmo na banca (que hoje é chamada de reforço escolar), fiquei abestalhado quando a professora disse que o Brasil fora descoberto no dia 22 de abril de mil e quinhentos. Como fora descoberto se eu sabia que aqui tinha índio quando os portugueses chegaram?
  Era uma época em que eu acreditava piamente que Deus criara o homem, portanto não tinha dúvida que Ele, em cada canto, fez uma raça diferente da outra. Para piorar, achava que os portugueses realmente eram raça superior e que os índios, ignorantes, tinham mesmo de ser abduzidos em nome de Jesus, Maria e José e de Dom Manuel, o venturoso.
  Em minha cabeça confusa não entendia como é que os portugueses tinham chegado até aqui, enfrentando um mar cheio de serpentes enormes, dragões que cuspiam fogo e principalmente os monstros marinhos, como grandes polvos e enguias, que engoliam as naus por inteiro e ainda chupavam os tutanos dos argonautas. Levei tantos cascudos da professora Naly, que terminei gostando de estudar História do Brasil. Hoje fico fascinado com as viagens dos descobrimentos e ganhei um amor tão grande pelo tema, que fico frustrado por não ser historiador.
  Talvez por isso eu seja tão apaixonado pelo Porto da Barra. Quando encosto na balaustrada, ando pela calçada ou piso na areia, sinto-me como se estivesse incorporando o espírito dos descobridores. Revejo o donatário Francisco Pereira Coutinho chegando e com seu jeito frouxo e ficar com medo de descer na praia.
  Não sei se você sabe, mas quando ele chegou e viu os índios que esperavam na praia, logo ali naquele canto onde hoje fica o padrão com o brasão da Coroa Portuguesa, bem defronte ao quiosque de artesanato do Instituto Mauá e da barraca de coco de Marco Pólo - por favor não o confunda com o navegador veneziano, que nem parente chega a ser -, começou a se tremer de medo e antes de mais nada fez uma missa dentro do barco, como se estivesse encomendando a própria alma.
  Quem quebrou seu galho foi Caramuru, que já estava por aqui há tanto tempo que tinha mais filho que o pajé ou mesmo o cacique Taparica, o mais temido e o mais político da época. O homem desceu acompanhado dos seus bacamarteiros, cheio de roupa com fru-fru e a garantia de uma armadura. Foi levado sob as espensas de Diogo Alvares Correia (que eu teimava em grafar nas minhas provas de escola como da Silva, e levava mais cascudos), que vem a ser o marido de Catarina Paraguaçu e se picou para se esconder em algum lugar que não faço a menor idéia e se li em algum lugar já esqueci, pois minha memória é melhor quando falo de Tomé de Souza.
  Este, eu sei, chegou aqui em 1549 e com a mesma ajuda de Caramuru, terminou por fundar a cidade de São Salvador e daí passamos a ser responsáveis pela preguiça, pela dança da garrafa, por Carla Perez, pela Axé Music, Pagode, Ricardo Chaves, Esporte Clube Vitória, pela mijada em plena rua, pelo pessoal que invade sinais, por falar alto, buzinar na porta dos hospitais, botar som alto no carro, pelo ônibus parar fora do ponto, isto quando pára; pela falta de empacotador nos supermercados, pelo cara que não dá assento aos idosos nos ônibus, por quem estaciona o carro na vaga de deficientes, e tudo o mais.
  Quando me lembro que num dia de hoje o Brasil foi descoberto, vejo um dia luminoso, depois de uma noite cheia de estrelas. Não sei ao certo a hora em que o Brasil foi visto pelos portugueses, mas, tenho certeza que foi lá por volta das dez horas da manhã, pois foi a hora em que nasci lá em cima do Mont Serrat e o dia era bonito. Interessante é que quando falo em descobrimento, não consigo visualizar direito a chegada a Porto Seguro. Aliás, neste local aportaram depois dos portugueses os espanhóis, ingleses e franceses. Porto Seguro, entretanto, foi totalmente dominada, a partir dos anos 80 do século passado, não pelos colonizadores europeus, sim, pelos mineiros, paulistas e goianos. Hoje, para encontrar um baiano por lá, só se for servindo no balcão ou dançando lambada. Até índio, só se encontra nas feiras de artesanato.
  Por isso que, hoje mesmo, a esta hora, estarei andando no Porto da Barra e olhando para a barra do mar, para ver se enxergo as almas dos navegantes aventureiros. Quem sabe eles redescobrem e começamos do zero. Mesmo assim, com tantos problemas de dengue, esgotos, violência, PT, e pais que matam os filhos, parabéns para você minha "Terra de Santa Cruz".


  
Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista. e-mail: jfk6@uol.com.br

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