quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008


Conversa numa agência da Previdência

   Na Jônia, lá por um bocado de tempo a.C pobre era visto como coisa ruim. Menos que escravo. Em Roma nos tempos de sabe-se lá quem, enquanto a nobreza bebia vinhos em ânforas de metal pobres consumiam posca, coisa que nem é bom falar do conteúdo. Na França, de uns séculos passados, o rei Luiz XV odiava pobre e estes eram tratados com menor consideração que aos cães da aristocracia.. No Brasil, com certeza estou repetindo conversa antiga, o poeta Gregório de Mattos e Guerra, no século XVII já que ser pobre é um horror. Claro que não foi bem assim que ele falou.

 Machado de Assis, pobre, epiléptico e gago no século XIX tem dó dos pobres. E, hoje todos sabem que ser pobre é uma droga. E se for pobre na fila do INSS, morreu.

    Nas filas dos bancos os pobretões esperam pacientemente para receber seus caraminguás. Não adianta o prefeito, o governador, o presidente ou o papa virem com leis normativas, regulando prazo máximo de espera, que os bancos não ligam mesmo. Nas filas dos supermercados a pobreza encara o aumento de quase 10 por cento no valor da Cesta Básica, de forma estóica, parecendo gado. Lula já disse que o aumento para os aposentados será de 4,9 por cento.

     E a massa carente de recursos ainda tem de empacotar as compras, já que os donos dos supermercados, que não pegam fila, claro, não colocam empacotadores. Nem mesmo para cumprimento da lei que determina um certo número de funcionários com algum tipo de necessidade especial.

      E na Previdência Social? Não pergunte que respondo. Vamos ao factual. Na sexta-feira passada, para não ter que rememorar os loucos tempos em que os pobres passavam duas noites e dois dias na fila, dormindo ao relento, e tinha de voltar outra vez por falta de fichas, mais de 200 pessoas, que se via claramente eram pobres, se apinhavam na agência da Previdência Social no bairro de Brotas. Muitos tinham, chegado pela madrugada para garantir atendimento rápido. Pobre não se emenda mesmo.

   Depois das 7h30 começou o atendimento e não se pode deixar de dizer que uma senhora da casa, educada e solícita, tentava acelerar o atendimento na fila. Esta até seguia rápido. O problema estava lá dentro, onde apenas quatro funcionários atendiam à malta. Claro que eles se esforçavam, naquela organização bagunçada que é uma repartição pública. Ainda mais do governo do Partido dos Trabalhadores, onde quem nunca viu nem carimbo já entra sendo chefe, embora eu não seja contra a evolução do status social de ninguém, acho até bom que diminua o número de pobres nas filas e adoraria pegar fila de classe média. O povo, quieto, triste, aguardando. Foi um ar de esperança quando as outras funcionárias, vetustas senhoras vestidas de "Patricinhas", por não mais serem pobres, começaram a comparecer ao serviço; cabelos ainda úmidos, perfumes florais fortes e um certo ar de enfado, num andar que demonstrava ter o RH da Previdência Social ter ensinado que não adianta se estressar sob os olhos dos insones, doentes e famélicos dos pobres contribuintes que ali estão apenas para aborrecer requerendo pensão, benefício e atenção para os seus direitos.

   Pobre incomoda mesmo, principalmente a funcionário público. Duas horas e meia depois de começar o atendimento nem 50 pobres tinham sido atendidos. O que mais irritava, era um funcionário gordinho, careca, de bigode e com óculos, daqueles funcionários clássicos que são a glória dos desenhistas, que andava no maior torpor, para lá e para cá e ninguém sabia que diabos ele fazia na repartição, além de coçar o saco. Mas que andava com empáfia e sisudez andava sim e só pode ser chefe, claro!

      Mas, o bom de tudo foi ficar xeretando a conversa na fila. Uma senhora gorducha falando com a outra que o genro, um traste, tinha perdido o emprego pela sexta vez em apenas três meses e que ela estava sendo obrigada bater uma laje para abrigar ele e a filha, que classificou de "sem-vergonha". Um senhor, lá do alto dos seus 60 anos de idade, que tinha músculos de velho que malha, perguntou ao companheiro de conversê se este podia adivinhar que idade tinha. O outro respondeu que fisicamente uns 60 anos, mas que a cara parecia de 70. O interlocutor não gostou e foi logo dizendo que as mulheres lhes davam apenas 50 anos e que não precisava usar Viagra, coisa absolutamente fora de propósito, pois ninguém tinha perguntado. Chato mesmo foi quando um sem educação deu um arroto sonoro, e pediu desculpas dizendo que tinha "batido" um prato de rabada às cinco da manhã no Mercado do Rio Vermelho. Deu engulho, mas vários pobres começaram a se manifestar, cada um contando seus hábitos alimentares matutinos. Aaaargh!

    Uma nova funcionária, que acabava de chegar, por volta das 9h disse: "povo chato". Pior é que até os telefones da Ouvidoria da Previdência Social, que ficavam on line na bancada da agência, foram arrancados. Um beneficiário garantiu que era para o ouvidor não ouvir. "Sem falar que é cego", completou. O velho do Viagra arrematou:

- Culpa de Lula!

      Também queria o quê? Para saber apenas se o dinheiro do benefício foi depositado na conta o beneficiário leva quatro horas para ouvir uma resposta, o funcionário não diz o que querem e ouve o que não quer. Os pobretões que a esta altura se espalhavam pelas cadeiras ou ficavam em pé por ter assentos suficientes, só livraram de crítica um tal senhor Nivaldo, acho que Brito, que puxa para si a carga maior do atendimento, parecendo uma formiguinha e salvando a pele dos colegas que hora destas podem levar uma coça da turba de velhinhos e senhoras.

    A Previdência troca os velhos pelos novos e continua a mesma. É alegria dos jornalistas e cronistas, quando faltam pauta e inspiração.

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Originalmente publicada na Tribuna da Bahia em 18 de fevereiro 2008

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