sábado, 15 de dezembro de 2007


Bênça, pai!Bênça, mãe!

 

 

   As crianças de hoje sabem muita coisa de tecnologia, notadamente se for ligada ao império do ramo da informática. Uma pesquisa feita por universidade paulista, com crianças na faixa dos cinco anos detectou que se for dado um certo objeto fechado, em que não apareça de forma clara o fecho, trava ou chave, ela leva em torno de três minutos para abrir. Enquanto um adulto precisa de pelo menos o dobro.
  As crianças estão sabendo muito mais que muitos dos adultos que não estão incluídos no rol daqueles que detêm a informação. É até covardia lembrar que um adulto do interior da Bahia, por exemplo, que não conseguiu completar o curso primário, tem menos informações que uma criança da capital, que estuda e tem computador. Se formos comparar as informações gerais que uma criança de cinco anos tem hoje, em relação a uma outra da mesma idade dos anos 80 do século passado, vai ser uma lavada de dar dó.
  O vocabulário das crianças de hoje é igual ao de um adulto semi-alfabetizado. Mas, nossos "geniozinhos" do Século XXI ficam boquiabertos quando se deparam com as coisas mais simples do dia-a-dia. Minha filha veio me perguntar, certa vez, quando minha mãe chegou na nossa casa e eu fui logo pedindo "a bênça, mãe!" E minha mãe respondendo já até por hábito "Deus te abençoe". A menina fez uma cara de quem estava a ouvir um marciano saudando outro.
  Ela perguntou, cheia de curiosidade:
   -Que treco é este de "beiça".
  Expliquei que era bênção, mas que nos acostumamos no Nordeste a dizer "bênça".
   - Sim, meu pai, mas o que significa?
  Foi então que me dei conta que nunca meus filhos me pediram a bênção. Aliás, os filhos de hoje em dia só faltam passar a mão no toba do pai. Já nem pedem dinheiro quando crescem...metem a mão e gritam da porta da rua "pai peguei uns trocados em seu bolso para o cinema". Pelo menos ainda avisam que pegaram.
  Meus filhos não pedem a bênção porque nunca lembrei de ensinar. Também porque sempre associei a religiosidade, estas coisas, e não ligo muito, aliás, perdi a identidade com toda e qualquer rel?????ICigião. Mas, faço em deferência à minha mãe, não me custa nada. Nós, pais, que vivenciamos a última fase da porrada no cucuruto, as reguadas e palmatórias nas escolas dos anos 60; depois fomos saindo da adolescência nos anos 70, onde a liberdade de ser, estar, falar, pensar e agir era básica para a plena felicidade, nunca tivemos coragem de cobrar estas mesuras e sequer pensar em dar um safanão em filho.. Minha mãe não dava. Mas, meu pai, mesmo eu depois de adulto, ameaçava com umas porradas bem dadas.
  Minha filha quando estava com seis anos de idade - uma coisinha deste tamainho - aprendia karatê. Um dia eu disse que se ela não aquietasse o facho eu ia dar uns piparotes. Ela ficou na posição da luta e me desafiou: "venha pra você ver se eu não lhe dou uns golpes". Claro que achei lindo e dei uns beijos. Coisa mais fofa. Meu pai teria é dado uma chinelada com chinelo de couro cru, comprado na Feira de Água de Meninos ou no mercado municipal de Santo Amaro da Purificação.
  Ela agora queria saber porque pedir "bença". Expliquei que era um hábito antigo de pedir que o pai ou a mãe desse proteção para o dia a dia. Uma bênção bem dada; dada com amor como só pai e mãe ou avós sabem dar, garante proteção mais que sabonete Rexona. Protege contra mau-olhado, inveja, dores lombares, gripo, custipiu, olho gordo, ódio, maldição, tiro, cusparada de fumante, topada, vermes, sífilis, erisipela, infarto, queda de arquibancada, atropelo e até, pasme, de levar chifre ou ver o filho virar viado. Só não protege torcedor do Vitória, professora de escola pública e paciente do SUS. Aí é pedir demais!
  Lembrei à minha filhota que é tão comum esta busca de proteção, que na Bahia, todos os anos, milhares de pessoas andam mais de oito quilômetros da Conceição da Praia até Itapagipe, para pedir bênção a Senhor do Bonfim (na religião católica) ou Oxalá (na afro-brasileira). Todos os nordestinos se mobilizam até Caruaru para acender vela aos pés da estátua e dizer com emoção "bênça, padim padi Ciço". Mas nem as crianças sertanejas lembram mai?????ICs deste negócio dos pais abençoarem. Minha filha geralmente me chama de pai. Mas, quando quer ralhar comigo chama-me mesmo pelo nome inteiro de batismo. E num tom...E se acaba de rir quando digo que devia pedir a bênção à sua avó. Fazer o quê? Minha mãe, como boa avó, passa a mão pela cabeça.
  O mundo está mesmo mudado e complicado. Na dúvida, "bênça, mãe". "Pai!"

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